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12/25/2004

prezada mentira

há quem diga que a linguagem, o pensamento lógico-dedutivo e as luvas de borracha para lavar a louça são as características mais distintivas do homem.
mentira.
na verdade, a mentira é que nos faz distintos de toda a restante criação, admitindo-se, no entanto , alguma responsabilidade também às luvas de borracha.
o que mais gosto na vida é de mentiras, engodos , ilusões, confabulações. haveria arte, amor, relaçõs sociais ou auto -estima sem recorrer ao artificioso pressuposto da mentira? não creio.
há igualmente todo um darwinismo social que pode ser lido à luz da mentira e da sua força ilocutória.

a linguagem existe para ser desmentida, pois é isso que subjaz à arbitriedade do signo. no entanto, a estabilidade sígnica existe para que possa interpor-se o curso da mentira , que para os estruturalistas nada mais seria se não a infinitização optimizada de todas as possibilidades referenciais dos signos.

aprendemos a mentir desde cedo e,logo aí, se inicia o processo de recalcamento da mesma.
contudo , fazem-nos acreditar no pai natal, no coelhinho da páscoa e ameaçam-nos com homens- do -saco e outras monstruosidades quejandas com o único fito de deglutirmos algumas calorias mais ou permanecermos quietos e serenos numa qualquer manifestação de mentira pública.

o processo psíquico tem como artifício basilar uma mentira arqueológica: o recalcamento . e ainda bem que assim é, acho que o recalcamento é muito útil e deveria até ser mais exercitado. de facto , o que faz falta é uma inversão da ortodoxia psicanalítica. o psicanalista é , na verdade, um fiel cruzado contra a mentira.
o que o ser humano verdadeiramente necessita é mentir tão perfeitamente que determinado processos passem, simplesmente, a não figurar no seu eu psíquico , sendo assim desnecessária a intervenção de clínicos destinados a clarificar nossas habilidosas mentiras.
esse é aliás o patamar de máxima perfectibilidade de qualquer mentira: quando ela se torna verdade.



2 Comments:

Blogger Viajante said...

Gostei do patamar da máxima perfectibilidade.
Fez-me lembrar que «a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer». Depois desta estreia, voltarei para ver o gotejar das torneiras...

6:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

então é assim, freudinho. imagina que tu te vestes de pai natal e vens carregado com um saco de prendas que distribuis pelos presentes. eu sei que o pai natal não existe mas, naquele momento, és realmente o pai natal. nem mentira, nem verdade, estás a ver?

11:35 da tarde  

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